Lá por volta dos anos 70, apareceu o tal jogo de botão na minha vida. Meu primeiro time era com os botões da Gulliver. A mesa era a da cozinha e muitas vezes o chão, de madeira. Mais tarde lembro que substituímos os goleiros por caixas de fósforos, das mais diversas marcas. Esse início é bastante parecido com a maioria da galera que joga ou jogou botão, o nosso futebol de mesa.
Vou contar nesse relato, algumas particularidades minhas, como apaixonado pelo futebol de mesa:
Como surgiu meu apelido, Carlos Tranqueira?
Na regra gaúcha, um grande botonista, o Vicente, sempre foi um páreo duro e muito melhor do que eu. Ocorre que, baseado nos ensinamentos do Mestre Obereci, aprendi a cavar relativamente bem e muitas vezes, sem chutar diretamente para a goleira do adversário, mas cavando em algum botão, no sentido oposto, fiz alguns gols que contrariavam a lógica. Muitos desses, aconteceram contra o Vicente. Atitude imediata, era todo o time no campo de defesa, o que dificultava muito a finalização dos adversários e às vezes nem conseguiam chutar contra a minha goleira. Baseado nisso, o espirituoso Vicente acabou me apelidando de Tranqueira. Esse apelido “pegou” e atualmente é conhecido em diversos estados brasileiros. Quando me perguntam se não me incomodo, sempre respondo que o apelido me diverte e acabou me dando uma nova identidade. Há inclusive sugestões de incorporá-lo ao meu nome, o que não farei.
Outra particularidade é o meu apego a ambientes em que vivi, tal como nos 8 anos em que trabalhei na Coca-Cola. Tínhamos nossa equipe de futebol e acabei criando um time, que atualmente uso na Regra Dadinho, cujo nome é o da multinacional e a escalação é com os nomes dos meus colegas, sendo que com alguns ainda tenho contato.
Também trabalhei em uma instituição, no bairro Partenon e entre minhas atividades, atuei com futebol, sendo o orientador/técnico. Um dos times da regra gaúcha é o PCC – Pequena Casa da Criança, nome dessa Instituição, e a escalação é com a galera que compunha as equipes.
Tudo isso é de um saudosismo muito grande, mas em lugar especial está o time Chico City, uma homenagem a esse monstro que tive o privilégio de assistir. Esse time inclusive, algumas vezes tira minha concentração durante as partidas, pois lembro do fantástico Chico Anysio, incorporado à imagem do personagem que cada botão carrega.
O futebol de mesa carrega essa magia de montarmos nossos elencos, sem limitações, conforme nossa criatividade, fantasias e termos em nossas mãos nossos times dos sonhos.
Esse acontecimento foi tão surpreendente que seguidamente volta aos comentários entre as testemunhas da ocasião.
Recém haviam chegado na Zona Sul Futmesa algumas mesas nas quais são jogadas as regras Dadinho e 12 Toques. Fui motivado a começar a aprender a Regra Dadinho e logo surge o convite do Mário Burgel e do Sandro Barcelos, a ir participar do Campeonato Brasileiro Regra Dadinho. Isso ocorreu no 3º final de semana de outubro de 2018. Como sou apaixonado pela composição ‘jogar/fazer turismo’, acabei aceitando o convite e nos bandeamos para a bela Floripa, de carro.
Lembro que durante a viagem de ida repeti algumas vezes que se concluísse a competição com um único empate já estaria satisfeito. Eu nem imaginava o que me esperava. Viajamos na sexta-feira e fomos direto conhecer o ambiente. Ocorreu no Hotel Cambirela, no salão de eventos. Quando me deparei com o cenário, quase luxuoso, quantidade incrível de mesas sendo preparadas, iluminação, movimento de diversos envolvidos, confesso que “a perna tremeu”. Fiquei me perguntando “o que tô fazendo aqui”. Eu não conhecia nada daquilo que estava a minha frente.
E então chega o sábado, primeiro dia de competição e para completar meu pavor, meu primeiro jogo havia sido sorteado para ser o jogo da TV. Pensei com meus botões “não vou, mas não vou mesmoooo”. Procurei um dos organizadores e pedi para mudar, pois eu sequer sabia a regra direito. Ufa…. pedido atendido. Ah… e os resultados dos jogos tínhamos que informar pelo celular. Caraca!!! Eu nunca havia visto um negócio desses. Tudo era novidade e, com certeza, me deixava muito surpreso. Também era novidade para os presentes existir um time com caricaturas dos personagens do Chico City. Muitos me pediram para fotografar, fizeram inúmeros comentários, brincadeiras, relembraram características dos personagens que também admiravam.
Mas então chega o 1º jogo e no sorteio a saída é minha. No 3º toque peço a gol e…. gooooollllll, do Bento Carneiro. O semblante do adversário acusou sua surpresa. Com um detalhe: eu tremia feito vara verde. Ele reinicia a partida e erra o chute. No tiro de meta, mal passo da linha, peço a gol e….. gooooolllll, novamente. A expressão do adversário era digna de ser fotografada. No 2º tempo, me dando uma aula de como se joga, ele finalmente consegue fazer um gol e o jogo termina 2x1, a meu favor. Ele não acreditava, quem viu não acreditava e eu nem sabia direito o que tinha feito. Surge o 2º jogo e... venço por 2x0. Empato o jogo seguinte, venço outros e me classifico entre os 4 primeiros, entre 8 em cada grupo. Passo para a fase seguinte e vou fazendo coisas que nem eu sabia que sabia fazer. Um dos adversários, quando fiz o gol, exclamou: “eu não acredito que tomei gol do Bento Carneiro!!!” Ele e eu não contivemos as gargalhadas. O Sandro Barcelos estava folgando nessa rodada e testemunhou esse momento. Também tomei uma goleada de 5x1 de um jogador do Flamengo e perdi algumas partidas. Fui classificando fase após fase, até cair para a série prata (tinha ouro, prata, bronze e especial). Em uma das fases, folguei numa rodada e assisti um dos jogos. Um dos botonistas fazia gol de qualquer jeito. Parecia que bastava ele olhar para o dado que o miserável entrava na goleira do adversário. Ainda pensei: “Deus me livre de jogar com um cara desses”. E adivinhe… logo adiante o “dito cujo x eu”. A vantagem do empate era minha. Fiz 1, 2. Ele empatou e fiz o 3º gol, vindo a sofrer o gol de empate. Final, 3x3 e eu classificado. A essa altura meu final de semana já estava muitoooo acima do imaginável. Mas a maior surpresa estava por vir.
Julinho (Avaí) x o tal de Tranqueira, ele com a vantagem do empate, decidindo quem fica na série prata e quem desce para a série bronze. Mal começa o jogo e ele faz um gol. Vi que precisaria fazer 2 gols para seguir na série prata e me conformei, não acreditando que seria possível. Afinal, eu já havia ido longe demais. Mas… finalzinho do 1º tempo, mal passando da linha divisória, pedi a gol e o dado entrou por cima do goleiro. Caracaaaa! Ainda tô vivo. Inicia o segundo tempo e ele chuta várias vezes e não faz. Eu só sabia chutar passando a linha e era o que fazia, mas também não entrava. Creio que deveria faltar cerca de 1 minuto para terminar, e peço a gol, do grande círculo, com o Azambuja, que havia entrado no intervalo, e o dadinho, como quem pede licença para se locomover, vai mansamente entrando, sem dó do adversário, no cantinho do lado esquerdo do goleiro. E logo termina o jogo. Eu estava extremamente emocionado com o que havia feito durante todo o evento.
E assim terminei em honroso e inacreditável 6º lugar na série prata, trazendo um troféu para casa. Esses gols de longa distância acabaram me rendendo o apelido de sniper… kkkkk
Após, diversos botonistas vieram me cumprimentar e motivar a não desistir de jogar a Regra Dadinho. Mais importante que tudo isso, adquiri novas amizades com os quais encontro seguidamente nas competições por onde vou.
Pois é… viajei para o evento sendo o Carlos e voltei para o RS sendo a grande zebra. Coisas do nosso futebol de mesa.
Em um país como o Brasil, chamado de “terra do futebol, pátria de chuteiras” e adjetivado de tantas maneiras que enaltecem e superdimensionam o futebol, desde as mais tenras idades – antigamente os meninos, na atualidade também as meninas – têm em sua alça de mira, elas… as goleiras! Ali é o lugar em que sonhos viram realidade, ou não…
Pode ser o sonho da época do campinho em que se jogava a “pelada”, com goleiras improvisadas com pares de chinelos de dedos, ora com pedras, até mesmo latas ou garrafas pet, ou ainda com marcação a giz em uma parede limítrofe.
Também acontece na goleira de futebol de salão, futebol sete, futebol de campo e é claro, nas goleiras do futebol de mesa, o nosso conhecido jogo de botão. São goleiras de todos os tipos e isso é o que menos importa pois o fato é que ao colocarmos o objeto bola lá dentro, sonhos são realizados e o sorriso, o grito, a emoção, tomam conta, não apenas do artilheiro.
Mas… quando a “pelota” quase entra, apenas quase, sonhos caem por terra e muitas vezes a frustração faz par ao sonho não realizado. E conforme a situação, esse sonho vira pesadelo.
As goleiras estão tão incorporadas às vidas das pessoas, quer sejam jogadores profissionais ou não, que quase não se nota isso, pois passou a ser natural. Observe que quando saímos com filhos e/ou amigos para um passeio, ao chegar em uma praça em que exista um campo ou quadra de futebol, quase que imediatamente uma pessoa vai para a goleira e outras começam a chutar a bola para que ela entre naquele espaço retangular. E na ausência da bola, quem nunca chutou uma garrafa plástica ou mesmo uma tampinha perdida no chão? É incrível perceber a felicidade de um avô que vira goleiro para que o netinho consiga fazer gol e ambos possam comemorar juntos. Tudo por quê? Porque a bola entrou na goleira. E pouco importa se há rede ou não. Basta que haja ela, a goleira.
No futebol profissional brasileiro os futebolistas treinam muito para aprender a fazer a bola passar naquele espaço. Move multidões e paixões. E tudo acontece de forma tão latente que não são raras as histórias reais de torcedores que vieram a falecer quando seu time fez um gol.
Músicas foram criadas para homenagear jogadores que invadiram as goleiras com seus tentos. Jorge Ben Jor pedia “Fio Maravilha, faz mais um pra gente vê”. Moacir Franco ao lembrar saudosamente do craque Garrincha, autor de muitos gols, cantava “Hoje outros craques repetem as suas jogadas e ainda na rede balança seu último gol”. Caetano Veloso homenageou Bobô, ídolo baiano, autor de 60 gols, ao compor Reconvexo, cuja letra cita “a elegância sutil de Bobô”.
No nosso apaixonante futebol de mesa, com tantas histórias para contar, principalmente dos desportistas com maior experiência de vida e tempo nas mesas, também a goleira é onde tudo acontece ou… deveria ter acontecido. A busca por conseguir fazer gols é tão grande que até mesmo a lógica foi desafiada, sendo criadas além das bolas, pastilhas e dadinhos, cujo objetivo é adentrar o objeto dos sonhos, as goleiras, provocando a magia do balançar das redes.
Na verdade a goleira é a casa em que queremos nos acomodar, vibrar, comemorar. Quando ela recebe a bola, impulsionada por nós, é como se chegássemos em casa, pós labuta, muitas vezes exaustiva. Ali é o local do aconchego, o local onde podemos dizer “consegui chegar. Agora me deixe ficar aqui e relaxar, descansar”. E se torna tão especial pelo fato de ser de difícil acesso, pois sempre há oponentes querendo nos impedir de adentrar.
Bem, isso terá que ser resolvido entre cada um de nós e nossos oponentes e aquele “guarda-metas” que insiste em tentar atrapalhar nossos sonhos.
Atrevo-me a imaginar que ela nos desejaria boas vindas!
O Mário Schemes, um dos decanos da Zona Sul, apelidou a mesa 4, minha preferida, de “Chácara das Camélias”, insinuando ser ali um morredor. Fiquei surpreso com o nome e busquei me informar, vindo a saber que no passado esse era o nome de um estádio de futebol, em Porto Alegre. Segundo consta, local que fez diversas vítimas.
Outros botonistas, devido à precariedade da iluminação no local dizem que o “cantinho escuro” é o local escolhido para abater desavisadas novas vítimas. E uma quase unanimidade atribui minha escolha como sendo uma tentativa de “chapar” os adversários, em função da sala ao lado, com porta branca sanfonada, na qual se imagina terem sido desovados alguns corpos, tal o aroma.
Ainda não conseguiram entender que minha escolha é por ter mais espaço livre, reservado, longe das constantes bundadas entre jogadores de uma mesa e outra. O povo é “maldoso” e tudo vira meme…
Mas... não posso negar que coisas estranhas de fato acontecem naquele local, o que acaba gerando uma aura de mistérios.
Exemplo disso é o nosso “papa títulos”, hoje um “tira” aposentado, o tal de Sandro Ozório, que também começou a mostrar preferência por jogar na Chácara. O dito cujo é astuto, vai pelas beiradas, calmamente, preparando armadilhas, tal qual um caçador experimentado na arte predatória. Nunca perguntei a formação dele, mas tudo me leva a crer que seja formado em Engenharia, com especialização e pós graduação em construção de pequenas casinhas, principalmente pelas laterais do campo.
Aliás, jogar com esse cidadão é algo terrível, até porque entre seus craques está o japonês suicida, o tal de Okazaki. Quando ele avisa que vai chutar com esse asiático, os adversários tremem. Na lenta preparação para o chute ele pega o óculos, geralmente pendurado ao pescoço, ajeita a postura e manda ver. Tenho pensado seriamente em pedir investigação nesse óculos, pois creio que possa haver algum ajuste nas lentes, talvez a inclusão de algum mecanismo direcional, provavelmente com a participação de um certo Presidente oftalmo. É impressionante o que faz esse ninja. E agora, com a descoberta da Chácara das Camélias, resolveu “mandar” seus jogos ali, talvez até como forma de esconder o jogo de observadores mais atentos.
Aliás, falando em competência, não dá para deixar de comentar a quantidade de títulos e vezes que figura no pódio. Em qual regra? Nas regras gaúcha, cavado, passe, Dadinho, 12 Toques, 3 Toques e se ocorrer competição com tampinhas de garrafa, podem ter certeza que ele aprende também. A criatura nasceu para jogar… e vencer. Aonde? Em diversos estados brasileiros. Pedi ao Jaime para me informar a quantidade de vezes que ele apareceu no pódio e recebi os relatórios. Desisti de postar aqui, pois vai aumentar bastante o número de páginas.
E para os que não estão a muito tempo jogando com ele, fica a informação de que fazem apenas 26 anos que enfrento esse talento, desde 1999, época em que nos conhecemos no Departamento do Internacional, no Gigantinho, através da regra gaúcha.
Se ele apenas jogasse, tudo bem. O brabo é que o cara é “abusado”. Algumas vezes me disse, entre risos:
- “Tu jogou como nunca e perdeu como sempre!”
Em certa ocasião, na Zona Sul, fiz uma final com ele – mais uma entre tantas vezes - e pra variar… perdi, mas realmente joguei excelente partida. Só que o cara é muito competente. Quando recebeu sua premiação de campeão e eu de vice, pediu a palavra e me convidou a trocar de premiação com ele, ficando eu com o troféu Laçador, de campeão e ele com o meu, de vice. Evidentemente que aceitei e está guardado comigo, com profunda admiração pelo gesto.
E assim, de crônica em crônica, vamos brincando, relatando experiências, comentando sobre nossos amigos de jogos e coisas que acontecem nas mesas, local em que nos irmanamos para aprender, ensinar e sobretudo para nos divertirmos. E que a Chácara das Camélias e demais “estádios” ainda testemunhem muitas façanhas, de cada um de nós.